quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Sete de Novembro



Enquanto ela corria, a paisagem passava pelos seus olhos como as imagens de uma película de filme. Tudo — árvores, carros estacionados, pessoas apáticas e construções — em movimento.
            O chão parecia impulsionar seus pés. Asfalto quente, grama seca, passeio fissurado. Mesmo calçada, ela sentia que seus pés mantinham algum contato com o solo.
O vento parecia querer ir com ela, lambia seu rosto e soprava seu corpo, amenizando o calor.
            A marcha era contínua. O cansaço era suficiente. Cada gota de suor limpava a superfície, cada golfada de ar enchia seus pulmões de alívio. Ali, a cada passo, o tráfego de pensamentos fluía melhor. Sua mente era uma estrada mais segura.
            Sentia-se como se ela toda fosse um coração. Tudo pulsava, bombeava, contraía e distendia em perfeita harmonia.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Declarando Variáveis


O chão não é só chão, é o chão do cansaço. O espírito caído no chão fecha os olhos para a vastidão do mundo. Que mundo vasto, que espírito pequeno, que chão imundo.
                Os olhos pregados no céu — que céu azul, gente! Deixando evidente que por ser céu ele não é só céu e também não é azul à toa. O céu é uma coisa boa que mora em cada mente.
                E a mente, morada do céu, que voa nos ventos do acaso, revela-se um imenso vaso — tão vasto como o mundo é vasto — e guarda dentro de si uns cacos de vidro moído, pedaços do pequeno espírito que quer um dia ser grande pra caber no coração amante que foi esquecido pela vida.
                A vida (louca varrida) se esquece que vive sem carne, sem água ou sem comida, mas não sem aquele amante, um simples caminhante que mora na escuridão dos dias.
                Os dias, acesos e claros, fingem não saber que serão noite e no açoite do anoitecer tão tarde veem o tempo descer.
                O tempo, de armadura brilhante, conserva o triste amante. Soprador do vento do acaso carrega o imenso vaso, esmaga o chão do cansaço, levanta o espírito abatido, força abertura dos olhos pra mostrar que o céu que carrega mais importa que a pequenez da alma, que a ignorância da vida.
                O vento do acaso empurra pra longe do cais o barco que iça velas num arco, navega no mar inundado por águas nem sempre tranquilas, mas sempre — e sempre — por correntes de fé são movidas.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Juiz de Fora, 21 de fevereiro de 2012

Estou escutando rádio, submetendo-me a surpresas. Cheguei a cabeça para a fora da janela, o ar parado e a falta de moléculas de água nele estavam me deixando tonta. Neste momento não há viva alma nas ruas deste feriado. Mais cedo, porém, a figura de um homem chamou a minha atenção. Os cem metros em que ele esteve em meu campo de visão foram suficientes para a minha imaginação.



“... coisa que gosto é poder partir sem ter planos, melhor ainda é poder voltar quando quero...” 

(now playing)







 Estando de costas para mim, o homem não tinha rosto. Carregava seus poucos pertences em um saco encardido jogado sobre as costas da camisa rota. Sua postura era de um solitário, aquele que não é esperado nem espera por ninguém. Os cabelos grisalhos não apontavam sua idade com certeza. Não tinha a mínima pressa, fosse ele um pouco mais lento, andaria para trás. Os passos demonstravam a indecisão de quem espera ver a direção que o vento vai tomar para escolher o próprio rumo. Decidiu-se por dobrar a
esquina e o perdi de vista.


Não freqüência correta é agradável ouvir rádio. 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O sexto sentido

O pensamento é veloz, sendo capaz de cruzar distâncias imensuráveis em pouco tempo. A lembrança é uma forma de pensamento que mexe com os sentidos porque cada um deles parece ter a sua própria memória sujeita a influências externas e internas. O incrível nos sentidos do corpo humano é que todos parecem estar de alguma forma ligados ao tato, sendo este por vezes conseqüência de outros tipos de sensações.
    Freqüentemente nos pegamos fazendo associações sinestésicas como sons que parecem ser macios e aveludados, gostos que parecem molhados, certos cheiros para os quais não achamos adjetivos se não doces e quentes. Qualquer um dos sentidos é um gatilho pronto para disparar contra os demais desencadeando as diversas sensações que causam pane nos sensores (olhos, ouvidos, pele, língua, nariz) que não sabem o que detectar e enviar para a central.
    Imagino a memória como um imenso lago em que determinados pensamentos ficam no fundo, no escuro, de onde dificilmente sairão para alcançar a luz do dia; outros ocupam uma parte mais elevada na qual a topografia é acidentada e de onde se pode tanto emergir quanto afundar de vez. Por fim, há aquelas recordações que estão sempre frescas boiando na superfície da memória, como pequenas folhas num lugar em que sempre são vistas mesmo que não estejam sempre em destaque.
    O gatilho acionado é um vento que desloca a água movendo a folha e empurrando um frágil barco há muito atracado à margem esperando por uma corrente forte o suficiente para levá-lo a zarpar.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O tudo é azul

Azul é a cor mais bonita do mundo. E tem azul pra tudo que é lado. Tem azul no céu, na terra, nas ruas, nas casas, nos prédios, nos telhados, nas janelas e nas portas. Azul é a cor que prevalece.
         Tem azul pra tudo que é gosto. Tem aquele que é terno e que acalma. Tem aquele que é forte e que torna belos e sérios mulheres e homens. Tem aquele alegre como a infância. Tem aquele daquelas flores. Tem aquele daquelas outras flores. Tem aquele do dia. Tem aquele da noite.
         Tem azul nas montanhas, nas planícies e nas depressões. Tem azul nas rodas de carros, de bicicletas e de caminhões. Tem azul nas primaveras, nos invernos, nos outonos e nos verões.
         Azul é a mão, o pé e o coração. Os lábios são azuis. Azul é o beijo. A pele é azul, o suor é azul, a carne é azul e o sangue também.
         Azul é o pensamento, é o vento. Azul é essa chuva de dezembro. Os meses em geral são azuis. O mês mais azul é janeiro. Os dias da semana são azuis. Sábado é azul e, sem apelação, o domingo também.
         Deus é azul assim como o homem, os anjos, os santos e os bichos. Eu sou azul e você também. Azul é a cor que domina. Todas as demais são variações de azul ou têm pretensão de ser. Azul é a cor mais bonita do mundo.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Preguiça

O ser humano é preguiçoso. E como! E é a preguiça que não nos deixa calçar uns tênis e ir correr um pouco, cansar o corpo para que a mente melhore. É por causa da preguiça que não conseguimos colocar os óculos na cara para ler um livro.
         Sensação de solidão, por preguiça não damos um simples telefonema. Por preguiça não damos uma chance a felicidade. Ser feliz é questão de estar disposto, ser capaz de vencer a prostração.
         Mudar pode até ser custoso, mas é tão necessário para viver quanto respirar. Sofrer pode até não ser escolha, prolongar o sofrimento, porém, é.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Formiga

Antigamente as coisas mais singelas me fascinavam e me prendiam a atenção. Eu não era uma criança especialmente bonita nem inteligente, mas era curiosa. A curiosidade é uma qualidade — sim, uma qualidade — que sempre me levou e ainda me leva a querer saber e conhecer mais e mais. Passava horas dentro do meu pequeno eu interior com os meus questionamentos. Questionamentos aqueles talvez mais leves, mas não menos profundos e pertinentes que os de hoje.
         Eu me encantava com a força do vento que sacudia os telhados, as palmeiras e as pessoas; com os flocos de poeira que pareciam dançar na luz dos escassos raios de sol que invadiam os cômodos nos fins de tarde; com os pássaros construtores e cantores; com as pessoas desconhecidas que viravam personagens das minhas histórias e com as formigas.
         As formigas me interessavam como nada no mundo. Eu me concentrava e ficava tentando entender a vida daqueles seres minúsculos. De tanto observá-las, eu as humanizei. Acreditava que elas pensavam, que tinham preocupações, vontades e medos. Eu queria dividir meu conhecimento com elas, achava que as formigas poderiam aprender comigo, eu era a paciente professorinha e os pobres insetos compunham uma inusitada classe escolar. É claro que fui mal-sucedida.
         Das vãs tentativas de interação com as formigas na infância restou o pesar de nunca poder saber o elas pensavam quando olhavam para mim.